domingo, 24 de outubro de 2010

Descaracterizar

Atravessar o mar
Para onde ir?
Não importa
Como cantar?
Assim ou assado?

Sobre a cabeça
Várias luzes
Poema plástico
Absorve
Permeável
Se transporte

Terreiro, candomblé
Teatro, latim, anambé
Tupi guarani, santa Fé

Plurais
Miscigenação
Disco voador
Gavião

Fidalguia:
Comer com a mão
Plebe:
Vivaldi, Platão...
Suco gástrico
Corrosão

Trópica terra nossa
Derramas os grilhões
Desde a roça
Deixa a língua se expandir
Sem ser vossa
Vomitando todo dia
uma rosa.

( Dja Vasconcelos)

Plástico

Freqüento lugarejos que estão em mim
E vou mumificando os atos de separação
Erguendo manifestações ditadas
Pela imperfeição do humano
A raiva e seus inquilinos
Degradam a face tranqüila do sorriso
Almejando um outro sorriso sem graça
De estampas desenhadas pelo arbitrário

Há distancia entre mão e agir
Há fantasias entre ter e possuir
Reprimir e desejo
onde
Movimentos podem levar a exaustão

Assim é a razão que nos contém
Deflagrando o limite do ser

Há palavras
entre perfeição e razão

Para cobrir essa distância
Manifestada no consciente
devemos perambular pelo semblante
coletivo
Gotejando dia após dia
as desculpas desiguais
Como lençóis ao erro
Sem transparência nenhuma
Amargamente implícita
No cotidiano dos lugarejos

(Dja Vasconcelos)

ANGUSTIA

Deixe-me aqui com a solidão
Até quando eu agüentar
Deixe que esse mar me afogue
Deixe que essa dor me engula
Com toda fome que tem
Deixe que eu escreva versos
Com a caneta da saudade
Essa traga todos seus hóspedes
Pra que me façam companhia
Pra que colóquios no papel
O mesmo que enxuga meu rosto.

O sossego fugiu da minha casa
Uma foto permanece na lembrança
Brincando com minha saudade
Que me estrangula pela memória
Asfixiando meus olhos, perdidos
No teto de cada quarto que durmo!
Sou um dicionário de tristeza
Conotativo que a dor não tem
Sou a pressa que foge da razão
Deixe-me aqui com a solidão!

( Dja Vasconcelos)

Infância

Guardo um sorriso
Na lembrança

Feliz sou eu e minha infância

Quando desacordo, sonho
Encanto-me

E quando o cio da vida
Leva-me
á vida- criança
Sou deportado do adulto
Mesquinho, sem sonhos,
Flagelado de vida e inseguro.

Criança-ciranda, carrossel
Gira as mil e uma noites,
Alibabá, Rapunzel,
Pedrinho, Narizinho, saci- pererê,
Tio barnabé, amarelinha,
Alibabá, Gargamel,
Pega ladrão, bicho de toca,
Barra bandeira, bola de gude...
doce mel!

Largo o desencanto
E mergulho no mar
Subo montanhas
E me jogo no ar
Na certeza de voar

Agora vou dormir no sonho
Quetinho, sem querer acordar!

( Dja Vasconcelos)

Límpida

Andarilha das coisas idas
Isso é a memória
Que quando calada
É deslembrar
( Dja Vasconcelos)

Palhaço

Estou travestido de alegria
Levando todos os elementos
Que a minha fantasia precisa
Os olhos e boca pintados
O nariz vermelho, assado!
A roupa toda colorida, verão,
Um sorriso por mim ignorado.
E esse gosto amargo, travado;
Da-me a dimensão da solidão

Estou vestido de dor
Muita saliva no rosto, exposta.
Manchando toda a pintura
Tirando a mascara alegre
De forma continua, constante.
Peço ao meu corpo, parco,
Que não me exponha inteiro
Que deixe a roupa alegre
Como meu cativeiro
( Dja Vasconcelos)

Ornar

Uma luz cúbica
Cortando o real
Sem exageros
Transpareceu a alma

Delicadamente
Se apresentou
Ficando guardada
Na lembrança

Na lembrança:
A pele
O cheiro
A tez...
Acompanharam-me

Filiou-me ao desejo
Desnorteando o andar

Faleceu o medo
Polindo algazarras
Continuamente floridas

Soprando segredos
Fazendo-me assoviar canções.

( Dja Vasconcelos)

Finitude

O corpo
Pouco pra tantas coisas
Gordo do que não precisa

O corpo não se cabe
E transborda sais

O corpo do olho é a imagem
Sem mensagem por traz

O corpo respira gradativamente
Oxigênio o consome lentamente

O corpo suspira e transpira todo dia
O dia todo
Elimina o que é engodo

O corpo esta guardado
No armário da célula

O corpo tem um guarda na célula
Guardada no corpo

O corpo não pensa executa
O corpo é escravo do cérebro.

O corpo exila-se na morte
O corpo morto é esqueleto.

(Dja Vasconcelos)

Alma cansada

O amor se foi
E me deixou assim
Com um recibo a pagar.
O amor me eletrocuta
Quando lembro de esquecê-lo.
O amor me põe na roda
Desloca-me da linha reta
Se vai sem olhar pra traz.
Ponho algemas nas duas mãos
Do amor que foi.Isso é prisão!
A vida nada em direção ao nada
Quando ele vai, se esvai pelos vãos!
Um copo vazio de alegria
Enche a alma de olheiras
Nas noites eternas sem dias.
O amor matou a saudade de mim!
Matou meu cigarro, companheiro,
Matou um gole de gim,
Matou minha idéia concreta,
Matou meu cantar,
Matou meu jeito de olhar,
Matou todo o meu jardim.
O amor é uma peça, companheiro, sem fim.

(Dja Vasconcelos)

MERGULHO

MERGULHO
De outro vértice veio o amor
Sem desespero e só
Algazarras nenhuma silencioso
Desfez a razão calmamente
De andar compassado
E determinado caminho
Deitou-se na cama da casa
De vão aberto
Guardou todas as suas roupas
Sapatos toalhas...
Observando com olhar
Profundo a excitação provocada
Desalinhando os últimos
Rumores do não-desejo
Bordando sobre a alma
Flores de aroma volátil e forte
E cores carmins
Chamou a vertigem para conversar
Abriu a janela do precipício
Azulado mirantânico libertário
E não impediu seu pulo
Assim veio o amor

(Dja Vasconcelos)

Conotativa

A palavra anda pelo alfabeto
Cavalo, carro, bicicleta,
Motocicleta, pés, caminhada...
A palavra pára no dicionário
Morta, estacionada, estancada,
Algemada, trancada, amordaçada...
Tirem a palavra de lá
E tentem deixá-la

O artigo definido define a palavra.
Ela perdeu o outro sentido
E sua única companhia é o artigo
Tirem o artigo de lá

O sonho não é sonho,
A mulher não é mulher,
O lugar tem que ser aquele lugar.

Prefiro o pronome indefinido,
O verbo no infinitivo do tempo dado,
O insulto da palavra livre
Dos vendedores de rua
Não ao idioma dominado
Exacerbado na sua mesquinhez.

A palavra e o falar que se entendam
Que conversem entre se, saiam abraçados
E bebam a solta.

( Dja Vasconcelos)